Efeito queimadas
Governadores de quatro estados da Amazônia Legal (Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima) se reúnem nesta terça-feira (3), em Manaus, com a comitiva de ministros do governo federal, liderada por Ônix Lorenzoni e encarregada de alinhavar um plano de combate às queimadas e tratar de outros temas relacionados ao desenvolvimento da região. A agenda, dividida em dois encontros - primeiro, com a Amazônia Oriental, depois com a Ocidental - começou na segunda-feira (2), em Belém, com a participação dos governadores do Amapá, Pará, Tocantins, Mato Grosso e do vice-governador do Maranhão.
Deste segundo encontro, participam os ministros da Casa Civil da Presidência, Onyx Lorenzoni; do Meio Ambiente, Ricardo Sales; e da Defesa, Fernando Azevedo e Silva; o secretário-geral da Presidência, Jorge Antônio de Oliveira; o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Fortunato Bim; o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Augusto Xavier da Silva; e o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), João Carlos de Jesus Correia; além dos governadores Gladson Cameli (AC), Wilson Miranda (AM), Antônio Denarium (RR) e Marcos Rocha (RO).
Tal como ocorreu em Belém, os ministros vão a Manaus mais para ouvir do que falar. O governo federal quer colher as propostas dos governadores para compor um pacote a ser enviado na próxima semana ao Congresso Nacional, nutrido também pelo repertório indicado pelo próprio presidente da República. Jair Bolsonaro já deixou claras suas opiniões acerca de temas como o Fundo Amazônia, demarcação de terras indígenas e exploração econômica de áreas preservadas.
Todos esses assuntos estarão à mesa. Os ministros e o próprio presidente também já demonstraram, desde o encontro preliminar, em Brasília, na semana passada, que podem rever posições declaradas, caso surjam consensos em torno das eventuais divergências. A intenção de abdicar do Fundo Amazônia, por exemplo, que fomentou uma troca de hostilidades nada diplomática entre Brasil, Alemanha, Noruega e França, foi aparentemente deixada de lado pela equipe de Bolsonaro.
O governo federal admite preservar o Fundo Amazônia, desde que tenha maior governança sobre a aplicação desses recursos. Os governadores não abrem mão do Fundo e concordam com a revisão dos parâmetros para a aplicação do dinheiro - desde que os estados participem dessa redefinição, apontando suas reais prioridades, que não se esgotam na demarcação de terras nem no combate a queimadas. É meio caminho andado para um entendimento.
O aparente recuo do Governo Bolsonaro não se deve apenas ao desgaste derivado da pressão internacional, feita por governos e comunidades engajadas, que propagaram pelo mundo uma onda de informações alarmantes sobre os destinos da maior floresta tropical do planeta - em alguns casos, informações inverídicas. O papel dos governadores da Amazônia foi fundamental.
A reação do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal, liderado por Waldez Góes, do Amapá, serviu tanto para enfrentar o governo federal, com um posicionamento alinhado, raramente visto entre os chefes de Executivos estaduais, como também ofereceu ao presidente da República uma saída pela tangente na tentativa de atenuar o desgaste criado com a questão ambiental.
O alinhamento dos governadores, além disso, ressuscitou demandas antigas, mas ainda oportunas, quando se pretende tratar das emergências e do futuro da Amazônia. Entre elas estão a regularização fundiária e o zoneamento econômico-ecológico, premissas de qualquer plano de desenvolvimento que deseje aliar a necessidade de crescer com a obrigação de preservar uma região habitada por quase 25 milhões de pessoas.
A tentativa de articulação entre os governadores não é de hoje, mas começou a avançar de dois anos pra cá. Com as eleições, em 2018, os propósitos se arrefeceram, até porque apenas os governadores do Amapá e do Maranhão se reelegeram. Agora, ela é retomada com um mote bem apropriado à conjuntura política atual, e que vem sendo reiterado pelo governador Waldez Góes a cada encontro: o fortalecimento dos estados da Amazônia será tão bem sucedido quanto maior for a sua capacidade de superar divergências políticas para se unir em torno de interesses comuns.
As divergências estão bem demarcadas no mapa político desde a eleição do ano passado. Bolsonaro foi o mais votado em sete dos nove estados da Amazônia Legal, perdendo para Haddad apenas no Pará e no Maranhão. Dois governadores são do mesmo partido do presidente, o PSL: Marcos Rocha (RO) e Antonio Denarium (RR). Três deles nunca foram aliados de Bolsonaro: Helder Barbalho (PA), Waldez Góes (AP) e Flávio Dino (MA). Dentre os outros quatro, três são declaradamente bolsonaristas, Gladson Cameli (AC), Wilson Lima (AM) e Mauro Mendes (MT), e um se diz independente, Mauro Carlesse (TO).
Se conseguir manter a unidade conquistada nesse intrincado tabuleiro e se puder avançar o alinhamento em direção ao Congresso Nacional, conquistando por exemplo o apoio dos 27 senadores que representam os nove estados da Amazônia Legal, esse grupo de governadores e parlamentares passa a ter um peso mais importante do que sempre teve na balança das decisões federais. Um trunfo potencialmente decisivo na tentativa de equilibrar o jogo político, que sempre colocou esta região em segundo plano.
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